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Astrologia no Divã

A astrologia é um recurso literalmente fantástico que responde a diferentes demandas psíquicas e existenciais do ser humano. Se é mesmo capaz de tudo isso, só quem realiza tais perguntas é que pode confirmar.

Mas interessante mesmo é se debruçar sobre as perguntas em si. Refletir sobre nossas próprias necessidades e inquietações, e nem tanto sobre as respostas que caem magicamente do céu. Chegar em uma ótima pergunta (ainda que sem resposta) pode ser mais importante, no curso de uma vida, do que encontrar inúmeras respostas óbvias para perguntas fáceis.

Mas afinal o que se pergunta a um astrólogo? Bom, o que você quiser.

_ Quem sou eu?

_ Como é a minha personalidade?

_ Afinal, vou ter sorte no amor?

_ Devo mudar de emprego?

_ Quando isso?

– Por que aquilo?

A astrologia é um mapa simbólico do processo de autocompreensão. – Ralph Metzner

Perguntar a si mesmo (ainda que com a ajuda de um guru na figura de suposto saber) já é uma forma de se implicar em sua própria história. Em geral, espera-se que esse tipo de resposta venha principalmente de dentro do próprio sujeito (Einsicht/insight) e não de fora.

Psicanálise e astrologia são muito amigas nesse sentido. Ambas têm sua origem em construções mitológicas, e apenas isso já as diferencia de quase todas as outras disciplinas.

A psicanálise não dá respostas, ou dá respostas evasivas. Tudo depende. Um mapa astral, por sua vez, é um oceano de variáveis aparentemente objetivas, mas que também levam sempre ao caminho da interpretação. É claro que depende, pois cada um é cada um; e só cada um sabe melhor sobre si mesmo. Nenhum dogma ou conhecimento externo deveria tirar a capacidade do sujeito de se haver consigo.

Tem gente que não gosta de psicanálise, assim como também não lida com astrologia. A verdade é que as duas fazem uso de um sistema metafórico de percepção de mundo e de pessoas. Em ambas, a atribuição de sentido é essencialmente subjetiva, e a capacidade de trazer certezas e fazer previsões é sempre limitada.

A previsão pode ser limitada, mas a simbologia jamais. O sistema metafórico é puro potencial, um infinito a ser desvendado e ressignificado a cada leitura, a cada contato, a cada sessão. Uma grande viagem. A Jornada da Alma de Lacan.

Alex Roka

Gostaria de falar com a Natureza, totalmente em desenhos. – Goethe

Infelizmente, parece que respiramos pouco simbolismo na astrologia cotidiana de 2017; e isso já é assim há muito tempo.

O mestre em comunicação contemporânea Wilson Ferreira relembra que, nos anos 50, os sociólogos Adorno e Roland Barthes realizaram pesquisas com colunas de astrologia de jornais e revistas. Ambos chegaram à mesma resposta: a astrologia de massa exorcizou o Real e deixou de ser uma abertura para o Oculto, o Onírico e o Imaginário. Essa é a astrologia que queremos? Um espelho que se propõe a ser realista e disciplinador?

Em analogia com a indústria cultural, Barthes concluiu que a astrologia tende a eliminar a distinção entre fato e ficção: seu conteúdo é muitas vezes exageradamente realista, ao mesmo tempo em que sugere atitudes baseadas em fontes irracionais. Nada mais irracional que o inconsciente.

Mas essa brincadeira tem um risco então. E uma responsabilidade. Há um senso velado de cuidado e vigilância sob o que se pode ou não comunicar em um horóscopo, ainda que seja ‘apenas um horóscopo’.

É pouco indicado, por exemplo, aconselhar: não vá ao trabalho hoje, vá ao parque brincar com o seu cachorro. Obediência à ordem, bom-senso, moderação, moral e bons costumes são intrínsecos à comunicação de massa. Preservam uma espécie de normalidade social pré-fabricada, a maior inimiga da reflexão autêntica e pessoal. Os astros, portanto, também são censurados e manipulados por nós humanos.

Mas aí podemos perguntar: que sujeito contemporâneo seria esse que leva tudo ao pé-da-letra e não tem capacidade de metaforização?

Psicanálise e astrologia têm algo em comum (ou deveriam ter) – a abertura para o Sonho. Não se trata de determinar a realidade, mas de inspirar realidades possíveis. O tom positivista, os discursos institucionalizados e motivacionais, a fórmula simplista “ter problemas ou sair deles”; tudo isso só joga a astrologia para baixo.

Para evitar que a astrologia ocupe esse papel, nos termos de Barthes, de ‘literatura do pequeno-burguês’, torna-se necessário fazer algo criativo e transformador com todo esse material disponível – os planetas e as estrelas que dançam bem acima das nossas cabeças.

 

* Lucas Liedke

Co—fundador do Peoplestrology e da float e psicanalista em consultório particular em São Paulo — lucas.liedke@gmail.com